tenho uma lembrança nítida das suas mãos juntinhas com os dedos gordinhos se emaranhando entre si.
como um sintoma de impaciência.
lembro do seu jeito de andar a passinhos curtos, mas rápidos e firmes.
mesmo com os sapatos de um número a menos que seus pés.
lembro de irmos te buscar em casa e te ajudar a entrar no carro.
ganhar um bom dia contente e um beijo na cabeça com as suas mãos gordinhas nas minhas.
e estar do seu lado durante todo o caminho.
seja à Guarapiranga num domingo de manhã ou indo almoçar no restaurante da rua de cima.
lembro das suas histórias.
lembro de você implicando com minha mãe e depois buscando conforto me mim.
não sei se eu verdadeiramente te confortava, vó.
mas espero que tenha te dado o mínimo de afeto que você precisava.
queria muito poder te ouvir de novo.
curioso como o visual permanece bem, mas parece que a voz vai ficando meio esquecida.
queria ter te gravado me contando alguma coisa.
queria que você soubesse que eu te amo.
não sei se te disse isso muitas vezes
mas lembro bem de ter dito em um dos últimos dias.
enquanto apertava sua mão gordinha numa cama de hospital.
e disso eu não gosto de lembrar.
esse nunca foi seu lugar!
minhas melhores imagens de você estão na praia.
te acompanhando em uma caminhada no calçadão.
ou te vendo da cozinha na sacada da sala.
tomando água tônica ou cerveja.
olhando o mar.
esse sim era o seu lugar!
a água.
e se escorre uma lágrima aqui é por tudo.
pela tristeza da insegurança do que eu fui pra você.
eu te confortei? eu demonstrei que te amava? eu te fiz bem?
mas também é pela felicidade da certeza de ter passado bons momentos com você.
por ter te visto sorrir.
e por ter sorrido junto com você.
éramos sempre três.
eu, você e mamãe.
tão diferentes e tão juntas.
me desculpa por tudo.
obrigada por tudo.
nos vemos em outra vida, espero.
e que haja um abraço apertado.
e um terno beijo na cabeça.
te amo e sinto saudade.